A tralha baralha e atrapalha

Todos os sapatos têm uma alma, toda a alma tem um sapato. 
Quem me galga a alma? 
Quem me calça o sapato? 
Ama-la-me da alma, sapata-me, galga-me, anda-me, salta-me, espanta-me, 
descalça-me. Dança-me!... 
Diz – Não me magoas tanto como te vais magoar a ti próprio. 

– A Chave?
Só te respondo se me disseres a chave. 
Assim não temos que demorar tanto tempo a perceber um no outro, o que é que o outro deseja.
– Sabes? A minha alma pesa uma grama. Uma grama exacta. Quero mantê-la sempre assim. Na linha. Para poder manter-se sempre fina e nunca saber quando é que se parte.

Já há mil milhões de anos que isto acontece. Os homens nascem, encantam-se de encantos, e depois racham-se ao meio com o que viram. Partem-se em dois. Ficam divididos. 
Oh my love! Oh my love! Oh my love!...

Uma viagem, um manifesto, uma declaração de amor. 

Cinco actores performers insaciáveis num jogo de improvisação, disparam sobre o amor, o fantasma de Deus, as previsões apocalípticas, a racionalidade absurda, desafiam a lei da gravidade, aceleram o desejo, as emoções, a incerteza, a turbulência do mundo... 
E depois... 
– Dá-me a tua mão. 
A seguir... Dança-se! 
Um abraço vinha mesmo a calhar.

An.Carl-Go

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Sobre o Projecto

Escadas Tortas Sem Corrimão resulta de uma escrita de teatro fora das categorias mais realistas da ficção teatral. 
A peça trata do modo de interpretação e adaptação específica de cinco pessoas ao mundo de hoje. Um teatro poético de ideias em acção. Uma viagem a um mundo paralelo, a um universo de inquietação, de medos e desejos, de furor hi-tech, e de pesquisa sobre os esquemas da alma. Ideia de viagem, aceleração, turbulência, vertigem e equilíbrio precário para cinco personagens, três homens e duas mulheres, em trânsito e busca de identidade. 
O dispositivo ficcional gira à volta da ideia de um “Mercado da Felicidade”, regulado pela oferta de vidas e mortes provisórias, pelas trocas aceleradas na corrida para uma solução feliz, e que são o engodo de todas as lógicas de mercado. O móbil de transacção são sapatos, e porque todos os sapatos têm uma alma, são eles o elemento material do segredo e da felicidade. 
Espectáculo para quem? Para quem vive de forma mais ou menos intensa as contradições do mundo de hoje e queira pensar estes assuntos. Para quem não se reconhece, vezes sem conta, na estranheza do mundo em que vivemos. 
O palco é descarnado, enquadrado pelos bastidores como antecâmara visível, representação de um campo aberto, de uma arena mágica em concentração nervosa. Um espaço de confrontação entre corpo e emoção, onde os actores – num exercício de improvisação – arrancam no espaço, vivem da palavra e a partir do nada disparam em várias direcções. 
Se dizer ou não dizer é o mesmo que agir e o mesmo que fazer, a palavra – na obsessão de tudo significar – é o centro, o fundamento da acção dramática e a materialização da consciência da solidão radical do ser humano. 
O espaço cénico foi pensado como ambiente e motor da acção, com todos os elementos dramáticos a funcionar como alertas sensoriais. Como um gás que se propaga de forma lenta e concentrada, pela convergência da palavra, das imagens, da música e da luz.
Procuramos exprimir as relações possíveis entre diferentes linguagens e conceitos, mas onde o teatro continua a ser teatro.

An.Carl-Go